Uma das minhas características é gostar de falar e logo conversar com pessoas desconhecidas nunca foi problema, muito pelo contrário, sempre foi estimulante e prazeroso. Segundo minhas filhas, eu sou do tipo que se ficar numa fila de padaria por mais de 10 minutos já era, saio dali com pelo menos duas novas amizades. Tudo bem que não é bem uma amizade, mas é tempo suficiente pra falar da origem mineira, discutir alguns gostos e opiniões, dar algumas boas risadas e sair com uma sensação gostosa, aquela do tipo: “como tem gente boa nesse mundo”. Realmente uma fila nunca me pareceu o pior lugar para estar.

Mas essa possibilidade de iniciar uma conversa e estabelecer um diálogo com um estranho não acontece apenas em filas, já fiz vários “amigos relâmpagos” em viagens. Nos últimos anos passei algumas horas em aeroportos e ou rodoviárias, fosse fazendo uma conexão ou aguardando meu embarque e isso possibilitou conhecer algumas pessoas. Porém, tenho percebido que esse estabelecimento de relações têm sido cada vez mais raro.

Basta um olhar geral pelo saguão e um detalhe não passa despercebido, as pessoas estão sentadas praticamente na mesma posição: cabeça e pescoço levemente abaixados, mãos apoiadas sobre a barriga ou pernas e entre elas um celular ou um pequeno notebook, e claro, um fone de ouvido, fundamental nos dias de hoje. Cada pessoa está imersa no seu mundo virtual. É como se ninguém tivesse tempo a perder. 

As pessoas preenchem planilhas, resolvem transações, mandam orçamentos, participam de reuniões e conversam o tempo todo com alguém que está conectado a outro aparelho em qualquer lugar do mundo. Em alguns raros casos essas pessoas não falam sobre trabalho. Mandam notícias pra quem ficou em casa na cidade de origem ou quem espera no destino. Falam sobre o tempo, como superaram as demandas do dia e detalham um passo a passo da viagem. Nas viagens de ônibus, em especial, tem sempre alguém que ignora o uso do fone de ouvido, manda áudio pelo WhatsApp e em seguida, ouve a sua própria mensagem a que acabou de enviar em viva voz. E quando a resposta chega escuta também em viva voz e o diálogo já é comum a todos, mesmo sem nenhum interesse você acaba envolvido. No fundo banalizamos esse sentido de urgência, e temos uma louca necessidade de estar o tempo todo relatando o que estamos fazendo para pelo menos uma pessoa. 

Infelizmente também me vejo engolida por esse sistema online e confesso que sinto falta das pessoas reais. Tenho pensado muito sobre como me libertar dessa armadilha, dessa espécie de solidão acompanhada, é bem assim que me sinto na maioria dos espaços públicos. Estamos cercados pelas pessoas por todos os lados, mas cada um no seu mundo, conectado ao seu equipamento.

Um desses locais que chama muito minha atenção é o metrô de São Paulo. No meio daquela ‘muvuca’ toda com tanta gente grudada, sem nenhuma distância mínima separando ninguém de ninguém, não tem como não acompanhar as séries, a trilha sonora e até as mensagens de WhatsApp de quem está colado em você. Certa vez estava sentada respondendo uma mensagem e um rapaz ao lado me disse: “seu cachorro parece com o meu”. Em seguida, ele pegou o celular e me mostrou a foto. Fiquei pensando: “caramba, o que mais ele viu além da foto do Muri?” (rsrs)

Outro dia, uma pessoa assistia uma série que também acompanhei a algum tempo, curiosamente ela estava num episódio que não havia visto, não tive escolha, era impossível não ver e passei a acompanhar as falas pela legenda. Seguimos juntas por várias estações. Mas antes de terminar, pra minha infelicidade, ela desceu numa estação antes da minha. Fiquei danada da vida, mas em menos de um minuto já estava dando muita risada daquela situação. Esses são apenas alguns exemplos dessa vida digital, exposta e compartilhada o tempo todo, mas ao mesmo tempo isolada e solitária, vivida dentro de uma pequena tela preta.

Fico me perguntando como reaprender a estabelecer relações reais? Como voltar a olhar nos olhos das pessoas enquanto falamos? Como desconectar desse mundo virtual e estar mais presente no mundo real? É preciso respirar, dar uma pausa dessa avalanche de informações e demandas urgentes, de estarmos o tempo todo conectados onde as pessoas já não usam mais email, porque entendem que ele é lento demais e as demandas chegam pelo WhatsApp, porque são pra ontem. Como nos livrarmos dessa sensação de que vivemos atrasados e reestabelecermos relações de gente com gente, com o local que a gente vive, dentro de um tempo mais justo com todos, um tempo que respeita o tempo de cada um.

Sempre frequentei o Terminal de ônibus Tietê em São Paulo e algumas situações recentes têm ajudado a pensar com mais profundidade sobre essa nossa dependência tecnológica. Fiquei algumas vezes parada no local aguardando meu horário de embarque e precisei carregar o celular. Acredite, num terminal que devem circular milhares de pessoas diariamente tem apenas algumas torres de tomadas dispersas pelo espaço e as pessoas praticamente lutam por uma tomada. Já entendendo essa distribuição das tomadas sei de uma que sempre tem uma vaga (rs). Deixo o celular no local e busco uma cadeira mais ou menos próxima pra sentar e observar o vai e vem das pessoas. Essa também é a estratégia de alguns enquanto outros seguem firmes e fortes em pé junto aos seus celulares enquanto o aparelho carrega.

Mas a questão é que descobri que algumas dessas pessoas, livres do celular por algum momento, também compartilham dessa sensação de liberdade. E foi numa dessas oportunidades que conheci o Felipe, 23 anos, estudante de medicina, que me contou sobre as alegrias e o esforço tremendo de um futuro médico, sobre os desafios das escolhas que prematuramente nossos jovens precisam fazer, sobre as dúvidas que ainda tem da especialização que deve seguir e ao final comentou: “só estamos conversando porque estamos sem nossos celulares. Como isso é bacana e raro hoje em dia, né?” E depois de nos despedirmos tive aquela sensação da fila da padaria que comentei no início do texto: “como tem gente boa nesse mundo!” E completei meu pensamento: “como temos jovens comprometidos nesse mundo!”

Nessas minhas andanças e paradas pelos terminais conheci a Adriana de Santa Catarina, 47 anos, mulher guerreira, de bem com a vida e decidida a ser feliz. Conheci a Catarina, 4 anos, falante, extremamente articulada, estava com o pai em São Paulo e voltava pra casa da mãe no interior. Conversamos, rimos e mostramos as fotos de nossos cachorros e gatos. E antes de seguir para o ônibus ela me disse: “da próxima vez que a gente se encontrar aqui a gente se fala mais, ok?” Segurou na mão do pai e seguiu. Fiquei olhando aquela cena e quando distanciaram um pouco ela olhou pra trás, fez um movimento de tchau com a mão livre e sorriu. Uma sensação de amor e gratidão invadiu meu coração. 

Existe pouca ou quase nenhuma probabilidade de reencontrar essas pessoas, mas são sobre essas relações, mesmo que momentâneas, de olho no olho, de presença, de histórias compartilhadas e vivenciadas que precisamos voltar a experimentar. São nessas relações que lembramos quem somos realmente, sem nenhum filtro, sem o sorriso ideal da selfie, sem a exigência de uma felicidade permanente, onde apenas somos, exercitamos o ouvir, praticamos o falar e experimentamos viver. Ouse tentar.

Olá, como podemos ajudar?