Dos combinados que fiz comigo mesma no início do ano em um deles pelo menos fracassei violentamente. A ideia era escrever mais e realmente não cumpri.
Mas enfim, esse é com certeza, assunto para um outro texto.
A intenção aqui é contextualizar sobre o texto abaixo, escrito em 2008 após a conclusão de um dos módulos da pós-graduação que fiz na PUC Minas em Poços de Caldas. O módulo era Redes de Socioeconomia Solidária com os professores Daniel Tygel e Leopoldo Thiesen.
Mas afinal de contas, porquê compartilhar esse texto agora? É que após 15 anos vamos nos reencontrar (estudantes e professores) e nesse movimento repleto de alegria e boas energias retomei esse texto, escrito pela Edna que naquele momento vivia intensamente esse momento.
Ao ler as reflexões daquele encontro fui tomada por uma emoção gigante, mas principalmente por muitas questões que até hoje me impulsionam.
Então, o convite está feito e o texto segue a seguir, boa leitura e pra quem fizer sentido, deixa seu comentário, vou adorar essa troca.
Solidariedade por necessidade ou solidariedade por opção?
Perguntas, ansiedades, dúvidas, vontade…
Tínhamos tudo isso e muito mais de sobra!
Queríamos descobrir como era possível fazer diferente! Ou talvez, quem sabe, só queríamos fazer diferente! Mas era preciso saber como. Era preciso conhecer, ou mesmo, reinventar as possibilidades!
Este era o grupo que se reuniu nos dias 25 e 26 de abril de 2008 na PUC de Poços de Caldas para enfim, conhecer o professor Daniel e reencontrar com a leveza e a paz do professor Leopoldo. Sala lotada como há tempos não víamos. Uma alegria de se ver e principalmente de sentir e compartilhar.
Isso deu até em música, mas cantada pelos nossos professores:
“Roda mundo, roda-gigante, roda-moinho, roda pião”…. e foi assim que nossa
primeira atividade do final de semana foi sugerida: a realização de um Roda
Viva. Nossos professores, agora no papel de entrevistados, não se colocaram
ao centro da sala, mas foram bombardeados por questões que em algum
momento haviam passado por aquela sala de aula.
Nossa platéia “ilustre” começou a se manifestar, e as primeiras perguntas vieram da psicóloga Jô, dos ambientalistas de alma e coração Tássia e Thiago e da guerreira, ativista e professora Vaniza.
– Uma forma, ou quem sabe, a forma de se relacionar pode ser uma prática de solidariedade?
– Por favor, quais seriam exemplos de práticas solidárias?
Nosso bancário, colega e professor (de coração), Marcos Eduardo, também fez
sua questão:
– Considerando a provocação feita pelo professor Flávio, durante o módulo
sobre diversidade, nos questionando sobre quantas pessoas temos influenciado. Vocês percebem uma mudança no rol de pessoas atingidas com a mudança no campo de atuação de vocês?
A professora de história Cíntia e seus colegas de grupo não deixaram por
menos e colocaram o professor Leopoldo na parede:
– Em sua aula sobre complexidade, professor Leopoldo, você afirmou que somente a transmissão do conhecimento não é suficiente para a sensibilização sobre as questões ambientais. Quais as ações ou práticas então que você sugere?
– Baseado nas aulas do professor Flávio, em termos de economia solidária, existe uma prática ou incentivo voltado para pessoas portadoras de deficiência ou em situação de vulnerabilidade (exclusão)?
– Com base nas aulas do professor Cristiano, na definição do que realmente são Cooperativas ou por outro lado apenas associações de trabalhadores, como proceder para não desvirtuar os valores, os sentimentos de solidariedade numa economia solidária?
– Em uma das aulas da professora Rachel, sobre Edgar Morin, ela afirmou que o “Mundo é racional”, em sua opinião, professor Leopoldo, o mundo é racional ou não?
O publicitário Carlos Abras e seu grupo também não deixaram passar a
oportunidade:
– Qual o sentido e o significado da sustentabilidade para o mundo hoje?
– O cenário atual exige mudanças radicais? Qual o limite do radicalismo?
– O modelo proposto de desenvolvimento sustentável (TBL) é e está sendo
compatível com o conceito e a prática da Economia Solidária? Ou são dois
hemisférios distintos?
Então, a cada bloco de perguntas os nossos professores/entrevistados iam
colocando suas idéias, seus valores, suas experiências, seus temores, suas vitórias, suas referências, suas derrotas e suas incansáveis lutas pela construção de um mundo melhor. Mas pra quê? Por quem?
Por todos nós, seres de mesmo coração, seres de sonhos tão diferentes dividindo a mesma casa azul.
E neste contexto a palavra “turbulência” foi de cara uma das primeiras explicações feitas por Leopoldo, como tendo um lado positivo, que dá origem ao mundo, que nos força a um uso maior de nossa criatividade. E Daniel, com sua fala contínua, sem pausa para a respiração, nos deixando por vezes sem ar, já define solidariedade: “É fazer parte, é termos consciência de que estamos todos no mesmo barco!” E faltam palavras para explicar o que é tão simples e sobram olhares na busca de uma economia solidária como tendo e vivenciando práticas diferentes do que experimentamos até hoje!
E nossos mestres enfatizam o poder da prática como sendo extremamente
sensibilizadora. Sendo que a teoria tem uma potência de sensibilização muito fraca, e neste momento Daniel faz o seguinte comentário: “percebo o quanto esta turma se entusiasma com as práticas, mas cuidado, é preciso tomar muito cuidado para não banalizarmos o conhecimento. É preciso ir fundo na teoria para que possamos ter bagagem para conseguirmos construir o ir e o vir entre a prática e a teoria!”
Então bate a nossa porta a tal coerência, que “teima” a nos levar a tantos questionamentos. Pra nos salvar do que parece uma agonia, professor Leopoldo afirma que a coerência corre o risco de ser intransigente, por vezes moralizante, criando novas práticas, que se diferem das primeiras simplesmente por serem inovadoras, porém tão impositivas quanto as que até então dominaram. Ufa….
O encontro se potencializa a cada momento e por vezes me sinto inspirada a ousar mais, criar mais, viver mais, lutar mais, não deixar que a vida passe e que eu não tenha feito o que realmente vim fazer neste mundo. Mas será que realmente eu sei o que vim fazer aqui? Será que tenho algo a fazer? Será que o caminho é esse? E se não for este o caminho, qual será?
Como encontrar esse caminho?
Quando logo no início da aula o professor Daniel, esclareceu de forma tão simples, clara e objetiva o que é solidariedade perdi um pouco do meu chão e senti uma impotência enorme, uma sensação de que minhas ações, meu conhecimento não estão sendo empregados para que esta solidariedade possa se ampliar da maneira e principalmente com a força que ela precisa.
Por momentos a luz me deixa cega, ou talvez tenha vontade de não ver o que
está tão claro, qual é realmente o comprometimento de cada um de nós com
essa tal Solidariedade? Será que existe algum comprometimento?
Disputamos pra saber quem sabe mais, o conhecimento que traz com ele o poder. E continuamos disputando o tempo todo. Seja o professor em sala de aula que por graças a sua formação acadêmica é superior aos seus mais de 30 alunos. Entre colegas de sala, crianças, colegas de trabalho, vizinhos, amigos, parentes, que continuam movimentando o jogo que para termos um vencedor precisamos de um perdedor. Damos corda para que possamos enrolar os nossos próprios pescoços…
Que mundo estamos construindo?
CLICK……..E CAI A FICHA…..
“Solidariedade por necessidade ou solidariedade por opção?”
Muitas empresas e pessoas tomaram posse do discurso da sustentabilidade e com ele todas as “ades” que acompanham (responsabilidade, criatividade, solidariedade…..). Assim, criam um nicho de mercado, com uma roupagem nova que talvez justifique ser ética e justa, mas continuam alimentando mais e mais a máquina do capitalismo, que por muitas vezes discriminam em suas belas e bem embasadas falas.
“Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém.” (Paulo Freire)
A sustentabilidade e a solidariedade estão sobre uma navalha, segundo nossos
professores. Então vale perguntar novamente: “é solidariedade por necessidade ou solidariedade por opção?”
Tivemos a oportunidade de dialogarmos sobre alguns textos que foram distribuídos entre os alunos e que tratavam de alguns temas como: preço justo, desenvolvimento local, comércio justo solidário, moeda social, bancos comunitários, diferenças entre cooperativas e economia solidária, experiências no Quebec, educação popular, incubadoras universitárias, consumo responsável, fundos solidários, redes e cadeias na economia solidária.
Também tivemos a exibição de um documentário sobre uma comunidade na
Alemanha que já funciona há 20 anos onde vivem 55 adultos, 16 crianças e de 15 a 20 idosos. Segundo os próprios moradores, se trata de um projeto político e não de uma empresa, com o desafio de viverem juntos, trabalharem juntos e conviverem com as diferenças. E que desafio!
Uma ação bastante interessante praticada pelo grupo é que os moradores podem fazer um revezamento entre o trabalho fora e dentro da comunidade, ou seja, eles conseguem manter contato com a cidade que fica bem próxima e continuam inseridos no global. Segundo eles, quando é preciso parar e rever todo o processo, eles param. E é exatamente neste momento que cada um vai se descobrindo, se conhecendo.
O ponto de partida para que tudo possa funcionar é a confiança!
“Nunca termina, sempre há algo para se fazer”complementa um dos moradores
da comunidade.
Mas afinal de contas o que caracteriza a Economia Solidária?
Auto-gestão!
E qual o grande desafio da Economia Solidária? Alinhar a auto-gestão com a realização plena do indivíduo.
O nosso exercício contínuo na Economia Solidária, segundo o professor Daniel, é construir a nossa capacidade de “conviver”. Nascemos e crescemos num regime autoritário, que dita as regras, o que você pode e o que você não pode fazer. O Estado é autoritário, a igreja é autoritária, a educação é autoritária e na Economia Solidária você tem a capacidade de construir o ir e o vir.
E essa transformação não é nada fácil.
É mais fácil nos dizerem o que temos que fazer, até onde podemos ir, do que
pensarmos, quebrarmos a cara com as decisões que tomamos e sermos
capazes de enfrentarmos o desconhecido. Tudo isso dá muito trabalho e nem
sempre, ou melhor, na maioria das vezes não queremos mais trabalho do que
achamos ter.
E não teve como passar por esta aula sem carregar no coração o sentimento
de que um outro mundo realmente é possível, dá trabalho e muito trabalho,
mas é possível! Nada vem pronto, moldado, é uma construção diária!
Assim podemos afirmar que a Economia Solidária é o espaço que nos possibilita exercitar a auto-gestão, vivendo disto e sendo um constante campo de prática.
Mais uma das tantas falas encantadoras do professor Leopoldo nos deu aquele “cutucão”: “qual a lógica de não podermos passar cola para um colega de sala durante uma prova de matemática? Se eu sei o resultado da questão e percebo que o meu colega do lado tem dificuldades em responder, porque não posso ajudá-lo?”
Mas essa é a lógica do sistema que desde cedo somos impostos. O meu conhecimento deve servir-me e não aos que estão ao meu redor. A nota 10 que eu tirar em uma prova deve confirmar que eu sou melhor que os outros e assim tem início o jogo que irá me acompanhar por toda a vida: GANHAR X
PERDER.
Organizando essas falas volto a fazer questões que sempre colocamos na roda
em nossa casa: Como estamos educando nossas filhas? Como estamos preparando-as para a vida? Que pessoas elas serão quando crescerem? Quais serão os valores que elas levarão em seus corações, em suas ações?
E só pensar sobre isso já faz a cabeça ferver e pode dar um bom trabalho, um
trabalho constante, para uma vida inteira……rsrs………
Assim espero não estar encerrando, mas que este seja apenas o início para
quem conseguiu chegar até o final deste texto (além dos professores, claro).
Espero ter conseguido acender uma luz que incomoda, ter dado um nó que sufoca a garganta, ter escrito uma palavra que soou como um grito aos seus ouvidos. Mas se nada disso eu causei gostaria que meus colegas de sala me perdoassem, pois gostaria de ter conseguido transmitir mais do que palavras, os sentimentos que nortearam as aulas de Daniel e Leopoldo.
Sentimentos que foram intensos e muitas vezes contraditórios, mas extremamente oportunos.
Obrigada Daniel e Leopoldo!
Muito mais do que práticas e respostas vocês nos trouxeram a oportunidade de
construir as perguntas! Agora o caminho está aberto…
Até a próxima!
Com carinho,
Edna.
P.S.: Fica a seguir uma citação de Carlos Drummond de Andrade, um pequeno
trecho do texto “Definitivo”.
“…Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional…”
Carlos Drumond de Andrade
Querida Edna, emocionante a leitura do seu texto. As indagações e reflexões de 15 anos atrás! Um grupo de professores se reúnem em torno de uma ideia de partilha e compartilha e encontra um grupo de estudantes de diversas profissões, dispostos todos a se entregarem aos afetos e a possibilidade de apreender! Em tempos tão cruéis, violentos que vivemos, que nossa busca continue sendo nossa resistência : a partilha e a compartilha com e entre as gentes diversas que fazem nosso conviver!!!
Andrea querida, que alegria reencontrá-la e poder compartilhar e me fortalecer em suas palavras e ações! Sua presença como professora em nosso curso foi com certeza um grande estímulo para que eu pudesse continuar acreditando e trabalhando para a construção de uma educação mais justa e de sentido para todos e todas. Grata por me ajudar a acreditar! Grata por me mostrar que é possível fazer melhor sempre!
Texto mravilhoso como você Edna!
Em tempo átidos, essas palavras regam o coração e ativam memórias de trmpos amorosos e me fez ter esperança!!
Stefania querida, seguimos plantando o amor, seguimos corajosos e persistentes nas inúmeras possibilidades de construirmos dias melhores para todos e todas…não podemos desistir, não viemos até aqui para desistirmos! Tamo junta !!!!
Muito interessante ver como a educação pode ser um espaço de transformação social e pessoal, através do diálogo, da troca e da participação.
Henrique meu querido, é isso mesmo, a educação precisa ser esse espaço, precisa estimular reflexões que gerem as mudanças que precisamos, urgentemente! Feliz demais pela sua leitura e reflexões! Grata!!!♡
Que perfeição! Uma excelente e inspiradora história que nos leva a uma profunda reflexão. Parabéns, Edna. Você tem poder da arte de escrever.
Querida Isolete, como é bom ter você por perto, mesmo que virtualmente! Grata pelas palavras sempre tão generosas!
Ei! Volte a escrever mais, hein?! hahahahah Fiquei aqui lembrando do meu grupo de amigos das Danças Circulares e muitos outros bons momentos e encontros. Mas fico com uma contribuições: a construção e o movimento parte do caos, não é mesmo? Acho que temos muito material para incríveis construções! Só bora…
Meu amigo amado, escrever me ajuda a entender os embaraços que vivem aqui dentro. Seguirei seu conselho,pode deixar! E vamos trocar mais figurinhas, ok?