Entre todos os amores que ao longo da vida experimentamos tem um deles que inunda por completo e nos transforma literalmente. A gente ama tão profundamente que não tem a menor ideia de onde começa e onde termina esse amor, porque na verdade ele não termina. Por isso, afirmamos que amamos infinito e essa é a pura verdade. Um amor tão real, sentido pelo corpo todo, que transborda do coração e chega a doer no peito, mas não aquela dor derivada do sofrimento, tudo bem que isso acontece algumas vezes, mas é a dor de experimentar na sua intensidade máxima o maior sentimento do mundo: o amor de mãe.

Esse amor pode ter início no momento em que um exame de gravidez sinaliza positivo ou quando você olha nos olhos de uma criança de 5 anos e a toma nos braços depois de um longo processo de adoção. Pouco importa como ou quando esse amor nasce, a questão é que ele vai invadir seu coração, seu corpo e sua alma de um jeito que jamais imaginou ser capaz de sentir por alguém. Amor de mãe não segue regra de como deve ser sentido, amor de mãe é esse sentimento de explosão, que encoraja e ao mesmo tempo sufoca pela sua magnitude. É gigantesco, maior que tudo que você tenha imaginado viver ou tenha desejado experimentar, nada se iguala ao amor de mãe.

E com toda essa intensidade esse amor pode confundir quem experimenta e nos fazer sentir essa dualidade do amor, que parece não fazer o menor sentido e muitas vezes realmente não faz. Você passa anos incentivando os sonhos, a capacidade de realização, encoraja a seguir adiante, a levantar depois da queda, a seguir diferentes caminhos e aí chega a tão idealizada hora de realizar o voo solo, deixar ir. E de novo uma explosão de alegria toma conta de você. Tem uma mistura de que tudo deu certo e ao mesmo tempo o medo de deixar partir, de novo seu coração aperta no peito, falta ar e sobra alegria ao mesmo tempo. 

Eu acredito que este seja aquele momento que experimentamos o amor que ensina a voar, o amor do desapego, o amor que liberta, o amor que incentiva o sonho. Amor que deixa ir, que dá colo, abraça e ampara em todos os momentos, ensina sobre limites e respeito. Ensina que na vida vai precisar ser tolerante com você e com os outros. Ensina que ninguém vive sozinho e que vai precisar colaborar, cooperar e participar da construção de uma sociedade melhor. Ensina que somos cidadãos pensantes, ativos e responsáveis pelas nossas escolhas.

E vai ser nesse momento quando estiver passando todos esses pontos antes de dizer tchau que vai desejar que o tempo volte para tê-las ali, grudadas em suas pernas. Vai desejar ser a última a dormir pra passar pelos quartos e ficar por alguns minutos parada ao lado da cama enquanto elas dormem observando e decorando cada detalhe daquela pessoa que tanto ama. Vai respirar profundamente, sorrir e agradecer por tê-las em sua vida. E vai estar aí a tal dualidade desse amor de mãe, essa mistura entre a razão e a emoção, de um amor descabido, de total entrega, mas firme e severo nos momentos em que precisa ser. Um amor contraditório que incentiva o voo, mas também deseja ter todos os dias em seus braços esse ser amado.

Então vai se afastar, vai dizer que tudo vai ficar bem, vai pedir com toda sua fé que alguém muito maior que você, olhe por esse alguém que é tudo pra você, é o ar que você respira, é o que dá sentido a sua existência. Vai fechar os olhos e guardar na memória esse abraço, esse cheiro da pele, do cabelo, vai lembrar de cada detalhe, como se ainda estivesse ali ao lado da cama. Vai sorrir e com os olhos marejados vai dizer que ama, com o desejo de que a vida seja gentil com esse ser tão amado, mas caso a vida e as pessoas não sejam assim tão gentis, vai lembrá-lo de que seu colo, seus braços e sua casa sempre estarão ali prontos pra acolher e curar qualquer dor que o mundo causar. Mas de novo a dualidade desse amor vai bater forte e você vai dizer: “por mais que a vida seja dura, você vai dar conta, porque você é forte, mas se tiver medo, tudo bem e se der errado a gente pode acertar juntas, porque eu vou estar sempre aqui.” 

Num relance de segundo vai lembrar dos dias em que pedia praquela menininha não correr, certa de que isso não ia ser possível e que ela correr, ia cair e o joelho ia voltar pra casa esfolado. E era na hora do banho que o esfolado do joelho ia arder e você não ia perdoar e dizer: “eu avisei, agora aguenta firme porque logo, logo vai melhorar”. Então, minha criança que cresceu rápido demais vale lembrar que seu voo será lindo, mas que suas asas podem falhar e a na queda você pode se machucar, mas lembra que vai valer a pena sentir esse vento no rosto, correr com suas pernas fortalecidas e voar com suas asas já crescidas. E eu? Eu vou sempre te amar, com esse amor desmedido e desmensurado, de longe ou de perto, não importa, porque esse amor não tem lugar pra ficar, vai junto com você onde quer que você vá. 

Esse texto foi escrito em março de 2020 no ônibus entre Campinas (SP) e Belo Horizonte (MG), antes da Pandemia estourar no Brasil quando a gente acreditava que esse seria o primeiro ano da Kati morando em BH. Agora no retorno da Kati pra BH os sentimentos são os mesmos e os desejos também.

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