“A maior riqueza do homem é a sua incompletude”. Essa é uma das frases do poeta Manoel de Barros, entre tantas outras, que faz muito sentido pra mim. Repito como quem recita um mantra. Existe um princípio básico da circulação de energia, ou seja, pra que a troca da energia aconteça é preciso que haja espaço. Logo, essa incompletude é o que nos permite novos saberes. É o que nos renova, nos faz caminhar todos os dias. Se dentro da sua cabeça tá tudo pronto, tudo resolvido, todos os espaços ocupados, como é possível acomodar o novo?

A gente se constitui por fases. Cada uma delas traz muitas novidades, mas o que realmente fica é o que você permite. A gente se faz e refaz todos os dias de forma coletiva. Nenhum saber é solitário. É exatamente essa coletividade de saberes, costurada e construída a muitas mãos, que será capaz de dar sentido ao que buscamos. É no outro e através dele, que temos a possibilidade de enxergar o desconhecido. Mas não se iluda sobre a forma como esse ‘constituir-se de outros’ acontece na vida real. Pode ser doloroso. E será. Incondicionalmente, você irá abrir mão de algo, permitir e dar espaço, ouvir atentamente, olhar por novos ângulos, ceder, considerar, posicionar e relacionar-se verdadeiramente.

Tudo isso parece complexo demais e realmente é, porque temos esse mosaico de cores, de saberes e de pessoas, colorindo e ganhando forma o tempo todo ao nosso redor. Somos muitos por dentro e por fora, buscamos conhecer, respeitar e conviver com toda essa diversidade. No dia a dia experimentamos um turbilhão de emoções, sensações e experiências das mais variadas possíveis. Tem dias que tenho a impressão de estar numa enorme roda gigante, que pode ser divertido e emocionante (rs). Sabe quando o seu assento está no alto e dá pra ter uma visão panorâmica? Ela proporciona descoberta e encantamento. É como se tudo estivesse onde deveria estar. De longe parece tudo organizado e realizado ou até mesmo, quase lá, no caminho. Mas basta a roda girar, seu assento vai descendo e lá embaixo, no meio da confusão, falta clareza e em alguns casos falta ar. Mas lembre-se: a roda vai continuar a girar, então, respire.

Nesse movimento quase que frenético tenho tido a oportunidade de conhecer e conviver com muitas pessoas. Tenho convivido em especial com um grupo de jovens e adolescentes que têm preenchido meus dias e algumas noites com muita alegria, risadas, questionamentos e trocas. Tolice seria imaginar que eles não teriam nada pra me ensinar. Cada qual com suas manias, olhares, jeitos e opiniões. Questionam sobre quase tudo, passam dias juntos e misturados, chegam ao limite da convivência pacífica, ao ponto de não se aguentarem mais. É fácil rir com eles, é fácil rir deles, é fácil estar com eles. A vida tem leveza, tem alegria, tem sentido, apesar das dores de ser jovem e adolescente, num país que anda tão confuso, injusto e preconceituoso, infelizmente. Mas eles não se deixam abalar. Confiam em dias melhores, constroem dias melhores por conta própria, não esperam por eles. Como os admiro!

Sou uma mulher de poucas certezas, mas uma delas é que essa juventude tem muito a nos ensinar. Se hoje sou uma pessoa melhor, com certeza é porque eles estiveram e estão aqui, perto de mim. Queria tê-los por perto sempre que a vida teimar em não ser justa. Pode apostar, ela não será muitas vezes. Queria tê-los por perto, quando estiverem sozinhos, cada um no seu caminho e poder acalentar essa saudade do ser junto que experimentaram ao longo desses anos. Queria tê-los por perto quando as primeiras conquistas chegarem e comemorar com todos os abraços, piadas e risadas possíveis. Queria tê-los por perto por toda vida, para nunca esquecer como essa coragem juvenil renova, fortalece, entusiasma e ressignifica a nossa jornada.

Desejo que nenhum de nós passe por essa vida sem sentir da forma mais profunda e verdadeira possível, a certeza de que em algum momento foi parte da constituição de outro ser e ao mesmo tempo, compreender que o outro foi parte da sua construção. Somos muitos em uma única pessoa. Cada um de nós leva um tanto de outros pela vida afora. É a famosa colcha de retalhos de muitos ‘nós’ que vamos costurando pelo caminho. Então, mesmo que sigamos caminhos totalmente diferentes, vamos ter feito parte desta enorme colcha colorida. Aceitar esse nosso estado permanente de incompletude traz a leveza e a compreensão de que estamos todos no mesmo barco. Mas vale a pena ficar ligado, que esse constituir-se depende de cada um de nós, das escolhas que fazemos, mas principalmente, da pessoa que decidimos ser.”

Com todo meu amor, tia Edna.

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